Tratamento das deformidades angulares dos membros com fixador externo

O tratamento das deformidades angulares dos membros envolve o correto planejamento da correção, com conhecimento da anatomia e dos eixos anatômicos e mecânicos, com adequada interpretação das deformidades, que muitas vezes são complexas, em mais de um nível e secundárias a diversas patologias. Assim sendo, o estudo do centro de rotação da angulação (CORA)  e o método gráfico fazem parte do arsenal do planejamento cirúrgico.

Método de Ilizarov

O método de Ilizarov surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, em Kurgan, na Rússia, e foi desenvolvido pelo prof. Gavril Abramovich Ilizarov. Seu objetivo principal era tratar casos de osteomielite secundários aos traumas da Segunda Guerra Mundial, incluindo problemas de tecidos moles e deformidades ósseas, tendo seu uso rapidamente expandido para uma vasta gama de outros problemas ortopédicos e traumatológicos.

Príncipios

O método baseia-se no princípio chamado “estresse de tensão “, no qual ossos, tecidos moles e estruturas neurovasculares  se regeneram sob tensão, de maneira previsível. Isso se deve a um sistema de fixação externa estável e à distração mecânica controlada num ambiente de suprimento sanguíneo preservado, de baixa energia cirúrgica e pouco invasivo. Esses princípios são diferentes da redução aberta anatômica e da fixação interna rígida. Diferencia-se também de outros métodos de fixação externa em razão dos tipos de fios usados para fixação ao osso, podendo ser um procedimento bem-sucedido em relação a outros métodos que podem falhar , fios esses levados a toques de aperto na faixa de 10 a 20 Nm e pré-tensionamentos dos fios na ordem 0,98-1,27 KN , proporcionando condições ideais para a fixação estável. As Características mecânicas dos fixadores externos influenciam o ambiente biológico, o local da fratura ou da osteotomia e determinam o resultado do procedimento cirúrgico,  proporcionando pequenos movimentos axiais e de cisalhamento que são considerados benéficos à consolidação óssea.

O fixador conhecido como Ilizarov mantém o fator mecânico estável através de fixação externa circular, mais elástica, com a fixação ao osso através de fios de Kirschner de 1,5 mm e 1,8 mm de diâmetro, demonstrando que o osso e os tecidos regeneram também em distração.

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Técnica

A técnica de reconstrução e alongamento ósseo tem como objetivo corrigir desigualdades de comprimento de membros inferiores ou superiores e trata deformidades de causa congênita, traumática ou neurológica em crianças e adultos.

Basicamente, ela consiste na fixação do osso acometido, com fios ou pinos conectados através barras, sendo todo o dispositivo denominado fixador externo.

Após a fixação, realiza-se um corte no osso e aguarda-se um determinado período, sendo então possível obter-se um novo osso, o chamado regenerado ósseo.

Esse osso surge após a realização de um distanciamento constante e gradual das extremidades ósseas remanescentes; permitindo então a restituição da forma e do tamanho original do osso, corrigindo-se simultaneamente o encurtamento e os possíveis desvios presentes, mediante ajustes regulares no fixador externo.

Como funciona

A possibilidade de alongar e realinhar o osso de forma segura e previsível, pela tração gradual segundo o princípio da “tensão de tração”, possibilitou não somente o alongamento ósseo sob nova visão biológica, mas também levou ao desenvolvimento de uma nova técnica denominada de osteossíntese de compressão-afastamento.

Com esta técnica corrige-se as falhas ósseas. O comprimento do membro é mantido, ou se encurtado pode ser gradualmente alongado, através de uma corticotomia feita no osso sadio afastado da falha óssea.

O segmento ósseo entre a falha e a corticotomia é fixado ao fixador circular externo de modo que é possível tracioná-lo enquanto os seguimentos ósseos nas extremidades da falha e da corticotomia são mantidos estáveis, ou, se necessário, podem também serem alongados. Quando a tração é aplicada no seguimento ósseo intercalado, criado pela corticotomia, este afasta-se do seguimento base e aproxima-se do fragmento alvo ocorrendo simultaneamente o afastamento da região da corticotomia e o fechamento do defeito ósseo original. Ocorre formação de regenerado dentro da zona de afastamento e o defeito é eliminado sem necessidade de enxerto.

Principais Indicações

As principais doenças tratadas por este método são as congênitas com diferenças de comprimento dos membros e ou com deformidades associadas. Há também a indicação do uso em casos de fratura que não consolidam (pseudoartroses) e nas infecções (osteomelites).

• Congênitas – quando o recém nascido já possui a deformidade
• Adquiridas – quando a criança desenvolve uma deformidade ao longo da vida

As principais causas de deformidades congênitas dos membros inferiores são a Hemimelia Tibial, Hemimelia Fibular, Pseudoartrose Congênita da Tíbia, Deformidade Posteromedial da Tíbia e as Deficiências Femorais.

Além destas patologias, um conjunto de sinais a que denominamos Artrogriposes, em que as crianças nascem com articulações rígidas, também é responsável por um número significativo das deformidades congênitas.

As principais deformidades adquiridas são a Tíbia Vara de Blount, deformidades causadas pelos Raquitismos e pela Osteogênese Imperfeita, além das sequelas de trauma e sequelas de infecções.

As Osteotomias com utilização de placas ou hastes (dispositivos de fixação interna) e as Osteotomias com utilização de Fixadores Externos estão entre as técnicas que utilizamos para correção destas deformidades. Além delas, podemos lançar mão das epifisiodeses nas crianças.

Deformidades nos Membros

Alguns pacientes apresentam deformidades aparentes na infância que desaparecem ao longo da maturação óssea sem necessidade de se realizar intervenção cirúrgica.  Algumas deformidades por apresentarem pouca ou mínima angulação também não necessitam de correção, entretanto existem deformidades que não apresentam sintomas iniciais, mas precisam ser corrigidas para evitar problemas futuros.    

O importante quando falamos em correção de deformidade é diagnosticar a origem do problema para definirmos a real necessidade de realizarmos a correção.

Local da Deformidade

Podemos dividir as deformidades em articular e diafisária.

Deformidade articular é quando ela ocorre dentro de uma articulação podendo evoluir rapidamente para artrose se não tratada com brevidade. 

Deformidade diafisária é quando ela ocorre na região central de um osso longoNeste tipo de deformidade as alterações articulares ocorrem a longo prazo. 

Membros Superiores

As deformidades dos membros superiores são mais toleradas por não sofrerem tanta carga quanto os membros inferiores.

Deformidades pequenas no antebraço não são muito bem toleradas devido à complexidade dessa região do corpo, assim como deformidades articulares. Estas duas situações muitas vezes necessitam de correção cirúrgica.

Membros Inferiores

Esta região do corpo por ser submetida a carga constate e impactos apresenta maior propensão a desenvolver alterações articulares degenerativas, quando uma deformidade angular está presente.

Deformidades dos membros inferiores ocasionam um desvio do eixo mecânico do membro distribuindo de maneira errada o peso do corpo nas articulações, podendo gerar problemas degenerativos articulares a longo prazo.

As deformidades dos membros inferiores no plano frontal destacam-se por sua frequência na população pediátrica em atendimento em hospital terciário e podem ser a expressão clínica de inúmeras afecções ortopédicas, metabólicas ou traumáticas. Sua importância aumenta à medida que, na idade adulta, o desenvolvimento e a progressão da osteoartrose do joelho podem correlacionar-se com o grau da deformidade.

deformidade membros inferiores

No planejamento de uma osteotomia corretiva de qualquer tipo é importante determinar a localização e magnitude do desvio, para que, idealmente, a correção seja feita no ápice da deformação, pois, dessa forma, o efeito corretivo é maior, mais fisiológico e evita-se criar deformidade secundária na tentativa de correção da preexistente. Entretanto, essa situação ideal nem sempre é alcançável, seja pela presença da cartilagem de crescimento, seja pelo tamanho do fragmento ou qualidade do osso. Assim, se a osteotomia não puder ser realizada no mesmo local da deformidade, será necessário acrescentar translação entre os fragmentos para, além de garantir a restauração do eixo mecânico, evitar a má orientação da articulação do joelho.

Outro problema existente nesses casos é a dificuldade adicional em fixar o pequeno fragmento distal, especialmente no esqueleto imaturo e em osso previamente afetado, principalmente por condições osteometabólicas. Os dispositivos de fixação interna como as placas, retas ou anguladas, são geralmente inadequados, mesmo em adultos, por dificultar a translação dos fragmentos. Os fixadores externos unilaterais não apresentam estabilidade suficiente no plano sagital e os fixadores externos circulares tipo Ilizarov são bastante desconfortáveis quando utilizados na coxa. Autores relataram o uso temporário do fixador externo para realizar a correção, com a fixação definitiva por haste intramedular, método que não pode ser utilizado no esqueleto imaturo.

Deformidade em Varo ou Valgo dos Membros Inferiores

Na deformidade em Varo, o eixo mecânico passa internamente ao centro do joelho distribuindo mais carga no compartimento medial(interno) da articulação.

deformidade em varo

Na deformidade em Valgo, o eixo mecânico passa externamente ao centro do joelho levando a um aumento de carga na metade lateral (externa) da articulação.

deformidade em valgo

Nestas deformidades o paciente apresenta alteração de marcha e poucos sintomas a curto prazo, contudo a longo prazo poderá desenvolver artrose articular.

Deformidade em Antecurvato ou Retrocurvato dos Membros Inferiores

Este tipo de deformidade apresenta grande repercussão clínica, pois alteram bastante a marcha, entretanto por serem no sentido do movimento da articulação geram menos alterações articulares a longo prazo.

deformidade antecurvato
deformidade retrocurvato

Deformidade Rotacional

Este tipo de deformidade apresenta menos repercussões nas articulações, contudo pode levar a problemas musculares. Na deformidade rotacional a musculatura necessita ficar contraída boa parte do tempo para manter o alinhamento correto do membro, gerando, muitas vezes, tendinites, bursites entre outras alterações pelo esforço repetitivo.

deformidade rotacional

Deformidade Translacional

Esta deformidade muitas vezes não apresenta alteração de marcha e nem sinais aparentes de deformidade, contudo pode levar as mesmas consequências das deformidades em varo ou valgo a longo prazo.

deformidade translacional

Formas de correção da deformidade

Deformidades pequenas podemos realizar correção aguda e estabilização com material de síntese interna.

Correção aguda é quando realizamos toda correção durante a cirurgia, sendo que após o término do procedimento o paciente sai da sala cirúrgica com o membro operado alinhado e sua deformidade corrigida.

Grandes deformidades corrigimos de forma gradual.

Correção gradual é quando não é realizada durante o procedimento cirúrgico e sim após a alta hospitalar. Realiza-se cirurgia para colocação de um fixador externo sem realizarmos qualquer correção durante o ato cirúrgico. O paciente recebe alta hospitalar e retorna no consultório em 1 semana para receber as orientações relativas as regulagens do fixador externo para atingirmos a correção da deformidade.

Durante este período serão realizadas radiografias seriadas frequentes para acompanharmos o progresso da correção e cicatrização óssea.

Optamos por uma correção gradual quando observamos grandes deformidades, pelo risco elevado de lesões neurológicas ou vasculares caso fosse realizada correção de forma aguda.

Fixador externo
Última modificação porMarcio R4
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