Pé cavo

Definição

Pé cavo é uma deformidade complexa, caracterizada pela elevação exagerada da abóboda plantar.

Esse aumento do arco normalmente acompanha um espectro de deformidades: hiperextensão dos artelhos nas MTF e hiperflexão nas interfalangeanas (garra); pronação e adução do antepé; uma proeminência óssea dorsal do mediopé com dobras de pele enrugadas na face plantar medial; coluna lateral do pé alongada e coluna medial encurtada (contrário do Pé Plano e PTV, que tem retropé valgo); calosidades embaixo das cabeças metatarsais; rigidez variada da subtalar; deformidade vara do calcanhar fixa ou flexível e retesamento do tendão calcâneo, com ou sem contratura em eqüino.

É constituído por vários componentes que podem estar predominantemente no retropé, antepé ou ambos.

Epidemiologia

É bem menos comum que o pé plano.

Etiologia e Fisiopatologia

A progressão da deformidade é relacionada à sua causa.

Atualmente, com exame físico detalhado, estudos eletromiográficos e neurológicos, RM, mielografia, arteriografia e mesmo estudo genético, é possível determinar a etiologia em + 80% dos casos de pé cavo.

Em pacientes maduros, as causas mais comuns são distúrbios neuromusculares ou trauma.

As doenças neuromusculares mais comuns são Charcot-Marie-Thooth (autossômica dominante), poliomielite, distrofias musculares (Duchene- autossômica recessiva ligada ao X, só homens), Ataxia de Friedreich (progressiva, assimétrica), etc.

Os pacientes com disrafismo espinhal, PC, doença (dç) cerebelar primária, artrogripose ou pé torto grave podem desenvolver pé cavo, mas essas condições são reconhecidas e tratadas antes da maturidade óssea.

Deformidade em cavo traumática pode ser causada por síndrome do compartimento posterior profundo, depois de fratura (fx) da tíbia ou fíbula ou consolidação viciosa de fx do mediopé.

Em alguns pacientes com deformidades em cavo sintomáticas, nenhuma causa específica é descoberta.

Em pacientes com antepé aduzido, pronado, primeiro raio fletido plantarmente, mediopé eqüino e calcanhar varo, o diagnóstico de pé cavo idiopático deve ser de exclusão após avaliação diagnóstica completa.

Em pacientes com dçs neuromusculares e naqueles com deformidades idiopáticas, admite-se que o mecanismo patológico subjacente seja um desequilíbrio entre a musculatura intrínseca-extrínseca. Os músculos intrínsecos do pé, assim como na mão, flexionam as MTT-FL e estendem as IFL. Qualquer fraqueza desses músculos rompe o equilíbrio causando deformidade em garra.

Na dç de Charcot-Marie-Tooth, o antepé assume uma posição em eqüino, com 1 primeiro metatarsal fletido plantarmente e pronado, com extensão da MTT-FL e flexão da IFL. A fraqueza do tibial anterior é característica do Charcot-Marie-Tooth. Com a fraqueza do tibial anterior e retração das estruturas posteriores, a tentativa de dorsifletir o tornozelo leva a uma hiperextensão das MTT-FL, causada por hiperfunção dos extensores dos dedos. A fáscia plantar se contrai nesse ínterim, e junto com os músculos flexores plantares retesados, leva à elevação da abóboda plantar, flexão plantar dos metas e rotação externa da tíbia. A deformidade do retropé ocorre após o eqüino do antepé.

Charcot-Marie-Tooth

Pacientes com progressivos déficits musculares e sensitivos devido à desmielinização dos nervos periféricos, com ou sem deformidade fixa.

O Charcot-Marie-Tooth (atrofia muscular fibular) é mais comum em homens (2:1), porém mais grave em mulheres. Ela pode causar déficits sensitivos profundos que eventualmente exigem amputação.

Histórico familiar deve ser obtido, assim como o histórico da evolução das deformidades (época de início, tempo e localização dos primeiros sintomas, alteração na marcha e nível de atividade.

– Charcot-Marrie-Tooth tipo I é mais comum e comumente começa na terceira ou quarta décadas de vida e tem evolução menos grave.
– O tipo II começa entre 5 e 15 anos e se manifesta como um grave déficit motor-sensitivo.

Poliomielite

Pacientes com cavo secundário à poliomielite tem achados diferentes do Charcot-Marie-Tooth.

Um gastrocnêmio-sóleo fraco oposto ao tibial anterior forte pode causar deformidade em calcâneo do retropé, com ou sem retropé varo ou valgo. Portanto, os pacientes com poliomielite tem componentes para o cavo no antepé e retropé, em contraste com os pacientes com Charcot-Marie-Tooth, que comumente não têm deformidade de retropé calcâneo.

Em virtude da sensibilidade intacta e natureza não progressiva das deformidades, os pacientes com cavo pós-pólio têm um prognóstico melhor e mais previsível, em relação aos pacientes com Charcot-Marie-Tooth.

Recorrência da deformidade, pseudartrose e artrose degenerativa das articulações adjacentes são menos prováveis na poliomielite.

Achados Clínicos

Pacientes se apresentam com antepé aduzido, pronado, primeiro raio fletido plantarmente, mediopé eqüino e calcanhar varo.

Os sintomas são variados.
– O comprimento do pé pode diminuir, o paciente queixa-se que o sapato começa a escapar.
– Ocorrem calosidades no pé, principalmente na região plantar da cabeça dos metatarsos e na região dorsal das interfalangeanas.
– A metatarsalgia é comum.
– O paciente com retropé varo grave fica sujeito às entorses de repetição durante a prática esportiva.

Deformidades

– Retropé: pitch do calcâneo é >30º. Os componentes do varismo são aponeurose plantar tensa e inextensível, deformidade óssea fixa (casos de rigidez da subtalar)
– Antepé: raios mediais ou todos estão envolvidos na deformidade em flexão plantar do antepé. O antepé geralmente está aduzido e a marcha ocorre sobre a borda lateral do pé
– Dedos: deformidade em garra rígida ou flexível. Pode ocorrer tb hálux valgo.

Exame Físico

Direcionado à coluna vertebral, em busca de disrafismos, alterações cutâneas, presença de pilificação, etc. Deve ser feito exame neurológico e muscular rigoroso (testes motores, sensitivos, reflexos, avaliar grau de força muscular, principalmente nos casos de possíveis transferências musculares), avaliação da marcha, exame da mobilidade articular (a maioria dos pacientes apresenta algum grau de retração das estruturas posteriores) e testes especiais:
– Ducroquet-Kelikian: redutibilidade da deformidade em garra

Teste dos blocos de Coleman

Usado na avaliação e diagnóstico diferencial dos pés cavos varos flexíveis. O teste conta com 3 etapas. O examinador deve procurar obter a orientação do retropé nas diversas situações do teste, pois o aparecimento do valgismo fisiológico do retropé é o que determina a positividade do teste e estabelece a participação das estruturas na gênese do pé cavo varo.
– Primeiro tempo:o primeiro raio e o hálux permanecem fora do bloco. Se houver normalização do retropé, a causa da deformidade é o primeiro raio, que está em eqüino exagerado. Se o varismo permanecer, a deformidade pode ser causada pelo antepé como um todo ou retropé.
– Segundo tempo: paciente apóia apenas o calcanhar no bloco, com todo o antepé sem carga. Se houver valgização do retropé, a deformidade é às custas do antepé como um todo (antepé eqüino e pronado). Quando o varismo permanece, podemos considerar que a gênese da deformidade decorre de dç no retropé.
– Terceiro tempo: são usados 2 blocos (o retropé é colocado em nível superior ao antepé e o primeiro raio é excluído da carga do peso corporal). Se ocorrer valgização do retropé, podemos afastar o retropé da causa da deformidade. Se o retropé permanecer varo, a deformidade deve-se à combinação de deformidades localizadas no antepé e retropé e ambas são igualmente importantes na gênese da deformidade.

Achados Radiográficos

Uma vista lateral em pé possibilita avaliação da posição da articulação do tornozelo e a inclinação do calcâneo (pitch), e da posição do mediopé e antepé (eqüino), especialmente o grau de flexão plantar do primeiro raio. Isso é valioso no planejamento pré-operatório.
– O RX perfil com carga também possibilita avaliar a contribuição do retropé (tálus e calcâneo), mediopé (navicular, cubóide/cuneiformes) e antepé (Lisfranc) para a deformidade em cavo. Devem ser traçados ângulos como pitch do calacâneo (nas deformidades às custas do retropé), Meary (no eqüino do antepé), Costa-Bertane, etc.
– O RX em AP do pé mostra a adução do antepé, com alongamento da coluna lateral e diminuição da medial.
Podem ser também realizados exames para avaliar a etiologia do pé cavo como radiografias da coluna, ressonância magnética do crânio e coluna, eletroneuromiografia, biópsia do nervo ou muscular e teste sanguíneo de DNA (no Charcot-Marie-Tooth).

Classificação

Tipo|LocalAntepéRetropé
Pé normalEquilibradoNeutro ou valgo discreto
Pé cavovaroFlexão plantarVaro
Pé calcaneocavoEqüino rígidoCalcâneo (e pode Valgo)
Pé equinovaroEqüinoequino

Tratamento

Em pacientes com deformidade idiopática, flexível, não-progressiva, a metatarsalgia pode ser bem controlada com tratamento conservador (sapatos adequados, órteses suropodálicas, palmilhas, fisioterapia, etc).

Porém o tratamento conservador não altera o desenvolvimento ou progressão do pé cavovaro, sendo meramente um tratamento paliativo.

Nos pés com deformidade rígida, a pronação fixa do antepé e calosidades dolorosas geralmente resultam em sintomas crescentes e progressão de parte ou todos os componentes da deformidade em cavo.

Tratamento cirúrgico

As indicações são: deformidades progressivas, calosidades dolorosas nos metas e instabilidade do tornozelo. A complexidade do procedimento aumenta com a rigidez da deformidade.

Correção da garra:
1 – Garra flexível – procedimento de Parrish (transferência do flexor longo dos dedos para CAPUZ extensor no dorso FP).
2 – Garra rígida – procedimento de DuVries (ressecção da porção distal da falange proximal e encurtamento da cápsula superior alongada e fixação com fio de kirschner)
3 – Procedimento de Jones – utilizado quando há hiperextensão da MTT-FL do hálux devido a fraqueza do tibial anterior. O tendão do extensor longo do hálux tenta supri-lo como um dorsiflexor acessório, levando à deformidade. A cirurgia consiste em transferir o ELH para o colo do primeiro meta, facilitando dorsiflexão do tornozelo.

Correção do cavo flexível:
1 – Liberação da fáscia plantar, flexor curto dos dedos e quadrado plantar – cirurgia de Steindler
2 – Outros possíveis procedimentos de partes moles: liberação proximal do abdutor do hálux, capsulotomias talonavicular e cuneometatarsal, além do alongamento do tibial posterior.

Procedimentos ósseos: são usados nos casos de deformidades ósseas e no caso de não haver correção da deformidade, após liberação de partes moles.

Osteotomias:
1 – Cunha de fechamento, de base dorsal, do primeiro metatarsal: pode lesar a fise e não está localizada no sítio da deformidade.
2 – Osteotomia em cunha de abertura, de base plantar, no cuneiforme medial
3 – Osteotomia de encurtamento da coluna lateral do pé
4 – Osteotomias de elevação e rotação do mediopé: osteotomias de Cole (cunha de base dorsal incluindo partes do navicular, cuneiformes e cubóide), Jahss e Japas (osteotomia em V de base dorsal, na região proximal dos metatarsos. Corrigem bem a deformidade em cavo, mas às custas de artrodeses entre alguns ossos do mediopé.
5 – Osteotomias do retropé: osteotomias no retropé podem ser de subtração, adição ou deslizamento. A osteotomia de subtração mais usada é a de base lateral (Osteotomia de Dwyer). A osteotomia de deslizamento seria uma modificação da técnica de Koutsogiannis.
Observação: as osteotomias devem ser acompanhadas por procedimentos de partes moles como liberação da fáscia plantar e capsulotomias.

Artrodese tripla:
– Deve ser usada como procedimento de salvação, em pacientes com artrose degenerativa ou de recidiva da deformidade em pacientes maduros. Esse procedimento não consegue corrigir ao mesmo tempo as deformidades do antepé e retropé.

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Última modificação porMarcio R4
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