Fraturas do úmero proximal

Epidemiologia

 

Algo entre 2 a 3% das fraturas das extremidades superiores ocorre no úmero proximal. A incidência é de aproximadamente 73/100.000 habitantes. É a fratura do úmero mais comum.

 

Três quartos ocorrem em pacientes com mais de 60 anos e que as mulheres são mais acometidas (3:1).

 

A maioria dos relatórios confirmou que a maior incidência se dava em pacientes idosos e mulheres, mas que a incidência de fraturas isoladas do tubérculo maior diminui com o avanço da idade.

 

As fraturas podem ser bilaterais, especialmente quando há o envolvimento de atividades musculares incomuns (choques elétrico, convulsões).

 

Anatomia (generalidades)

 

A cavidade glenoidal corresponde a cerca de 25% da cabeça umeral. A sua estabilidade depende não só da parte óssea, mas principalmente da musculatura, da cápsula e dos ligamentos.

 

O úmero proximal possui uma retroversão de 20 a 40º em relação ao eixo epicondilar (cabeça umeral está retrovertida). Como a glenóide está retrovertida e escápula antevertida, fica 30 graus de anteversão da glenóide. A cabeça inclina em média 130º em relação a diáfise. O centro geométrico da cabeça fica deslocado em média 3mm posteriormente e 7mm medialmente, em relação ao centro da diáfise umeral.

 

O principal suprimento de sangue arterial para a cabeça do úmero é fornecido pela artéria circunflexa umeral anterior. A ramificação ântero-lateral penetra na cabeça para formar a artéria arqueada, que alimenta toda a cabeça menos uma pequena área posterior. Todavia, as lesões arteriais causadas pela fratura do úmero proximal envolvem frequentemente a artéria axilar, próximo ao ponto de origem das artérias circunflexas, por diversas razões: esta região fica próxima ao colo cirúrgico e as pontas aguçadas da fratura são frequentemente arrastadas na direção da artéria, pela tração exercida pelo peitoral maior; o ponto de origem das duas artérias circunflexas e a continuação lateral da artéria axilar constituem uma ‘trifurcação enovelada’, incapaz de se afastar facilmente das bordas ósseas; a luxação glenoumeral mergulha o segmento da cabeça nesta área e tensiona a artéria axilar sobre o mesmo.

 

A inervação do ombro é fornecida pelo plexo braquial (C5 – T1) e complementada pelo terceiro e quarto nervo cervicais.

 

Mecanismo de trauma

 

A maioria das fraturas do úmero proximal é decorrente de osteoporose, nos pacientes idosos, embora impactos de alta energia também possam ocasionar fraturas, em qualquer idade.

 

O mecanismo mais comum é uma simples queda sobre o braço.

 

A ocorrência de uma forte contração muscular também foi proposta como mecanismo, especialmente nos casos de fratura do tubérculo maior, mas geralmente só é encontrado nos casos de choque elétrico e convulsões.

 

A diáfise é puxada ANTERIOR e medialmente pelo peitoral maior. O tubérculo maior pode ser puxado posteriormente pelo infra-espinhal e superiormente pelo supra-espinhal. O subescapular tende a retrair medialmente o fragmento isolado da tuberosidade menor ou a girar internamente parte da cabeça ao qual continua ligado apenas o tubérculo menor.

 

Quadro clínico

 

Os pacientes geralmente se apresentam segurando o membro acometido sobre o tórax com o membro contra lateral.

 

Equimoses no tórax e nos flancos podem estar presentes e devem ser diferenciados de traumatismo torácico.

 

Um cuidadoso exame neurovascular deve ser realizado, com atenção especial à lesão do nervo axilar. Embora alterações sensitivas relativas ao deltóide lateral não tenham sido perfeitamente relacionadas às lesões nervosas, sua presença pode oferecer informações úteis. O nervo musculocutâneo deve ser examinado também. Se o paciente apresentar amnésia, lesões bilaterais ou uma fratura-luxação posterior, o médico deverá descartar a possibilidade de desordens convulsivas ou choque elétrico.

 

Exames

 

A série de radiografias para trauma deverá incluir uma incidência em AP da escápula, uma ‘incidência em Y’ lateral da escápula e uma incidência axilar. Na dificuldade de realização da incidência axilar pode ser realizada a incidência axilar de Velpeau.

 

Se a fratura houver ocorrido semanas antes e estiver relativamente estável, pode ser realizado uma incidência em AP com ligeira rotação externa (20º) para melhor observar o tubérculo maior.

 

A TC será extremamente útil para se examinar a luxação, afastar a possibilidade de fratura da glenóide e avaliar a retração posterior do tubérculo maior.

 

Raramente é realizado a RNM, sendo útil somente para avaliar possíveis lesões do manguito rotador.

 

Classificação

 

Kocher classificou a fratura do úmero proximal em quatro grupos: supratuberculares, pertuberculares, infratuberculares e subtuberculares, dependendo da localização da linha de fratura.

 

Watson-Jones não só classificou as fraturas do colo cirúrgico conforme o mecanismo suposto (fraturas em abdução e adução), mas também reconheceu uma categoria distinta, de fraturas minimamente deslocadas: ‘rachaduras por contusão’.

 

Codman observou que as fraturas do úmero proximal tendem a gerar quatro fragmentos principais em diversas combinações: a cabeça, o tubérculo maior, o tubérculo menor e a diáfise, mas não classificou as fraturas.

 

Neer enfatizou a concentração nos padrões de deslocamento, mais do que na localização das linhas de fratura e na avaliação da viabilidade da cabeça (contato por união entre os tecidos moles e o osso) e na relação da cavidade glenóide. Deve ser lembrado que para ser considerado deslocado, o fragmento deverá ter um deslocamento maior que 1cm ou rotação maior que 45º. Com exceção do desvio superior maior de 0,5cm do tubérculo maior.

 

Classificação de Neer

 

\/ 1 parte \/ 2 partes \/ 3 partes \/ 4 partes
  | CA (rara) | TMa + CC | Clássica
  | CC | TMe + CC (rara) | Impactada em valgo
  | TMa    
  | TMe (rara)    

 

Hertel: sistema de classificação binária (LEGO), com 12 tipos possíveis de fraturas de úmero proximal.

hertel classification

Classificação AO

 

A: extra-capsular unifocal.
– A1. unifocal da tuberosidade maior
– A2. impactada
– A3. com desvio (não impactada), a redução fechada pode não ser conseguida devido a interposição do tendão longo do bíceps

 

B: extra-capsular bifocal.
– B1. frat metafisaria impactada
– B2. frat não imapctada e com desvio rotacional da cabeça
– B3. fratura luxação bifocal

 

C: intra-capsular, com alta chance de necrose
– C1. fratura sem desvio
– C2. fratura impactada em valgo
– C3. fratura desviada

 

Tratamento

 

Indicações de tratamento conservador >
Indicações de tratamento cirúrgico >

Fraturas minimamente desviadas

 

Mais de 85% das fraturas do úmero proximal.

 

O principio é a proteção precoce, combinada a mobilização progressiva. Embora mais de 1cm de deslocamento torne o colo cirúrgico teoricamente ‘deslocado’, na prática, em relação a maioria dos pacientes idosos, os cirurgiões aceitam qualquer grau de desvio, desde que reste algum contato ósseo entre eles.

 

A maioria dos pacientes deverá usar uma tipoia, durante os primeiros 7 a 10 dias, e ser orientados a vestir uma camisa sobre a mesma. A movimentação do punho, da mão, do cotovelo deverá ser iniciada imediatamente. Após este período, se a fratura estiver ‘estável’ pode ser iniciado movimento pendular delicado. Se as radiografias não indicarem nenhuma alteração, após 3 a 4 semanas de tipoia, e a articulação continuar sólida, deverão ser iniciados exercícios ativos delicados (elevação auxiliado por uma polia, rotação externa e extensão auxiliadas por uma bengala), juntamente com a fisioterapia formal.

 

São poucas indicações operatórias para fraturas minimamente deslocadas: lesões neurovasculares ipsilaterais que necessitem de exploração, reconstituição ou reposição, e fraturas expostas ou traumatismos múltiplos que exijam sua mobilização mais rápida possível.

 

Fraturas em duas partes

 

Colo anatômico (CA)
São raras e difíceis de redução fechada. Elas geralmente exigem redução aberta e fixação interna (RAFI) nos pacientes jovens ou prótese e estão associadas com uma alta incidência de osteonecrose.

 

Colo cirúrgico (CC)
Em se tratando de pacientes idosos e com menor demanda funcional, será tolerado qualquer grau de angulação, desde que haja contato ósseo.

 

Poder-se-á igualmente tentar na fase aguda uma redução fechada, nos casos de fraturas não impactadas e sem contato ósseo. O braço deverá ser aduzido e fletido a 90º, para relaxar o músculo peitoral. Aplica-se uma força de translação (geralmente em direção posterior e lateral), destinada a reduzir a deformidade, aplicando-se simultaneamente tração longitudinal.

 

– Se a fratura for redutível e estável, o membro deve ser mantido imobilizado durante 4 semanas.

 

 

– Se a fratura for redutível e instável, dever-se-á considerar a colocação de pinos percutâneos.

 

– Se for impossível conseguir a redução, dever-se-á estudar a realização de RAFI. Geralmente dois ou três pinos (sentido diáfise-cabeça) são suficientes. Todavia o conjunto será mais sólido se forem inseridos mais dois pinos na cabeça do úmero. Estes pinos deverão ser sempre utilizados, caso exista uma fratura concomitante do tubérculo maior. Caso seja realizada RAFI, geralmente é utilizado a via deltopeitoral e utilizado placas-parafusos (lâmina, Philos…), ou até fixação intramedular (Ender).

 

Reabilitação: se fixação for estável, são iniciados imediatamente exercícios passivos de amplitude de movimento. Exercícios de fortalecimento tem início na 6ª semana.

 

Tubérculo maior (TMa)
Mais comum pct > 40 anos. Podem ser tratadas por meio de tração em abdução, aparelho de gesso toracobraquial ou órteses, objetivando colocar o fragmento distal (tubérculo) de encontro ao fragmento proximal (cabeça).

 

Stevens (1919) elucida o mecanismo da fratura do ponto de vista biomecânico. Os desvios do fragmento do tubérculo maior para superior e posterior seriam causados pela ação dos rotadores externos e do fragmento diafisário para medial e rotação interna devido à ação dos músculos peitorais e subescapular.

 

No caso de pacientes ativos e saudáveis, mais de 10mm de retração posterior ou 5mm de deslocamento superior irão impor a necessidade de RAFI.

 

Embora seja possível utilizar a fixação por meio de parafusos, especialmente nos pacientes mais jovens, quando o tubérculo constitui um grande fragmento isolado, muitos autores assinalaram que o osso apresenta-se muitas vezes amolecido e fragmentado e preferem usar suturas.

 

Lembrar que algo entre 7 a 15% das luxações glenoumerais incluem uma fratura do tubérculo maior. Deve ser realizada a redução da luxação antes, pois muitas vezes a fratura do tubérculo pode reduzir concomitantemente.

 

Reabilitação: iniciar imediatamente exercícios de elevação e rotação externa, bem como exercícios pendulares. Deverá ser proibido a movimentação ativa até 6 semanas e até que as radiografias indiquem consolidação. A rotação interna deverá ser evitada durante 3 meses. Os exercícios de fortalecimento e alongamento total iniciará no 3º mês.

 

Tubérculo menor (TMe)
São muito mais raras que as fraturas do tubérculo maior. O deslocamento tende a ser medial (pelo subescapular), mas também pode girar e colidir contra o coracóide, conforme o ombro gira internamente.

 

As formas de tratamento incluem o conservador, a excisão do fragmento complementada pela reconstituição do subescapular e a RAFI, frequentemente com parafusos.

 

As fraturas do tubérculo menor tendem a ocorrer em conjunto com as luxações glenoumerais posteriores. A abordagem deverá ser semelhante à anterior, reduzindo-se primeiro a luxação e, em seguida, reavaliando-se o tubérculo menor para verificar se ele deverá ser reconstituído.

 

Reabilitação: iniciar imediatamente flexão (até 90º) em rotação interna, bem como rotação externa passiva (até neutro). Após 6 semanas, rotação externa ate 45º. Os exercícios de fortalecimento e alongamento total iniciarão no 3º mês.

 

Fraturas em três partes

 

Quando ocorre uma verdadeira fratura em três partes do tubérculo maior, o empuxo não compensado do tubérculo menor, pelo subescapular, gira internamente a cabeça (‘subluxação rotatória’), deslocando mais ainda o tubérculo maior. O deslocamento do tubérculo menor é mais raro, nas fraturas em 3 partes, e o tubérculo maior gira a cabeça em rotação externa.

 

 

O uso de fios percutâneos constitui uma técnica especialmente difícil, uma vez que o tubérculo terá que ser reduzido e a cabeça terá que ser girada ao contrário. Pode ser realizado RAFI nos pacientes mais jovens e dever ser pensado na possibilidade de artroplastia nos pacientes mais idosos.

 

Fraturas em quatro partes

 

Nos casos clássicos de fratura em quatro partes com luxação, a cabeça é expulsa da articulação e se desloca anterior, lateral ou posteriormente, alojando-se frequentemente na axila.

 

No caso da fratura impactada em valgo, a cabeça é girada verticalmente e os tubérculos se sobrepõem a ela. Não existirá nenhum desnivelamento na dobradiça medial.

 

A melhor radiografia para avaliar esse padrão de fratura é o AP. A radiografia axilar poderá até mesmo confundir o observador, porque o lado da cabeça se projetará próximo à cavidade glenóide, dando a falsa impressão de que a articulação esta reduzida.

 

Alguns autores aceitam até 30º de inclinação da cabeça e 1cm de deslocamento dos tubérculos. Acima disso será necessário o tratamento cirúrgico.

 

As fraturas impactadas em valgo apresentam menor risco de necrose avascular (em torno de 26%).

 

Geralmente nas fraturas clássicas em 4 partes, está indicada a artroplastia.

 

No caso das fraturas impactadas em valgo e pacientes menores de 55 anos, pode ser tentada a fixação percutânea ou RAFI.

 

Quando há clivagem da cabeça será sempre necessária a substituição por uma prótese. As próteses deverão ser sempre cimentadas, porque, no caso contrário, a perda óssea proximal e a osteoporose enfraqueceriam a fixação.

 

Reabilitação: elevação passiva imediata até nível atingido no intra-operatório. Se houver sinais de consolidação, na 6ª semana, inicia-se um programa supervisionado de alongamento (exceto rotação interna). Em torno da 8ª semana iniciará o fortalecimento e a rotação interna.

 

Complicações

 

As complicações tem maior possibilidade de acontecer após o tratamento cirúrgico.

 

  • Instabilidade: verdadeira instabilidade é rara. A subluxação inferior transitória é comum após o tratamento cirúrgico ou conservador, e geralmente decorre da atonia muscular, do acúmulo de sangue na articulação, das dilacerações da cápsula.
  • Consolidação viciosa: em alguns casos até mesmo 5mm de deslocamento superior do tubérculo maior podem causar sintomas.
  • Ausência de consolidação: é uma ocorrência rara, exceto quando ocorre considerável luxação. No colo cirúrgico é mais comum e será mais provável se houver rigidez na articulação glenoumeral, uma vez que os movimentos são transferidos para o foco de fratura.
  • Necrose avascular: 18 a 77% das fraturas em 4 partes. Não existe relação direta entre a imagem radiográfica e a função.
  • Infecção: são bastante raras (1,4%). Pode ser maior quando utiliza-se fios percutâneos (8%).
  • Lesões neurológicas e arteriais: quando ENMG é realizada de maneira meticulosa, até 45% dos pacientes com fratura do colo cirúrgico ou luxação glenoumeral podem apresentar um certo grau de comprometimento neurológico. O risco aumenta no caso de pacientes mais idosos ou quando se desenvolve um hematoma. Lesões arteriais são mais freqüente nas fraturas em 4 partes, com a cabeça alojada na axila.
  • Artrose: geralmente não é grave. Os problemas decorrente da substituição da cabeça do úmero incluem erosão da glenóide, ossificação heterotópica e arrancamento e separação dos tubérculos.

 

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Última modificação porMarcio R4
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