Tromboprofilaxia e Bloqueio Espinhal

Introdução

A formação de hematoma espinhal após os bloqueios regionais (raquianestesia e peridural) em esquema de tromboprofilaxia passou a preocupar os especialistas, após a síntese da heparina de baixo peso molecular.

Dados recentes da literatura confirmam que, apesar dos riscos, a anestesia regional melhora significativamente a recuperação dos pacientes após a cirurgia por: reduzir o íleo abdominal; reduzir as complicações pulmonares, diminuir os efeitos adversos cardíacos; melhorar a mobilidade nos pacientes ortopédicos e diminuir a incidência de trombos em pacientes submetidos a cirurgia vascular. Portanto, é importante avaliar os riscos e benefícios de bloqueio regional em pacientes que estão recebendo heparina de baixo peso molecular por via subcutânea.

Incidência

Na conferência sobre consenso de anticoagulação e bloqueio do neuroeixo, realizado pela Sociedade Americana de Anestesia Regional e Medicina da Dor, houve evidência de que o uso de heparina de baixo peso molecular para tromboprofilaxia nos Estados Unidos está associado a maior freqüência de sangramento do neuroeixo, quando comparada com esquema de tromboprofilaxia adotado na Europa (ASRA, 1998).

Em revisão de literatura, Vandermuelen et al em 1994, identificaram 61 casos de hematoma associados a raquianestesia ou anestesia peridural no período de 1906 a 1994. Nos últimos 30 anos foram identificados 199 casos de hematoma peridural espontâneo, dos quais 20% estavam associados com terapia anticoagulante.

Indicação da tromboprofilaxia

A tromboprofilaxia está indicada em paciente de médio e alto risco. As cirurgias de médio risco, para trombose venosa profunda, são as cirurgias de grande porte e pacientes com mais de 40 anos de idade. As cirurgias de grande risco para trombose são: cirurgia ortopédica de quadril ou joelho, neoplasia de pelve ou abdome, paralisia de membros inferiores e antecedentes de trombose venosa.

Fatores de risco para hematoma espinhal

– Idade avançada. Segundo Rudorfer & List, 1998, 75% eram pacientes idosas (acima de 75 anos) e do sexo feminino.
– Anestesia peridural contínua;
– Uso de outras drogas que afetam a hemostasia como: antiinflamatório não esteróide, inibidores de plaquetas e outros anticoagulantes;
– Punções repetidas e traumáticas;
– História anterior de discrasias;
– História familiar de discrasias;
– Doença hepática, alcoolismo;
– Doença renal e HBPM.

Características farmacológicas dos agentes utilizados na tromboprofilaxia

1. Heparina

A heparina não fracionada é a mistura de moléculas de polissacarídeos de comprimento variável. Apresenta propriedade trombolítica e pode provocar sangramento. A biodisponibilidade e o efeito anticoagulante é reduzido pela ligação desta heparina ao plasma, proteínas plasmáticas, células endoteliais e proteínas das paredes do vaso. A administração venosa, em bolus, resulta em imediato efeito anticoagulante. A heparina é rapidamente degradada no plasma e a meia vida é de 1 a 2 h. A meia vida é dose dependente e pode estar significativamente prolongado em altas doses (56 min a 100U/kg contra 152 min a 400U/kg).

A heparina administrada por via subcutânea tem início de ação em 90 minutos e sua meia vida é superior a 4 h; o efeito pode durar 12 horas. O nível máximo de heparina subcutânea ocorre entre 2 a 4 h, embora possa ter variação individual.

A heparina de baixo peso molecular (HBPM) tem alta biodisponibilidade por via subcutânea. O pico ocorre entre 3 a 4 h após administração subcutânea ;após 12 h o nivel de anti-Xa está aproximadamente a 50% do nível máximo (pico). A meia vida desta heparina é 2 a 4 vezes à heparina não fracionada e aumenta em presença de insuficiência renal. A heparina de HBPM tem menor interferência na função plaquetária e lipólise.

A heparina de baixo peso molecular deve ser administrada seguindo a experiência européia. Recomenda-se, para a utilização da enoxaparina, doses diárias de 20mg e 40mg, em cirurgias de médio de grande risco, respectivamente. Administrar na noite que antecede a cirurgia, pois aumenta a segurança para punção espinhal e diminui o risco de sangramento perioperatório.

2. Anticoagulação oral

A anticoagulação oral é administrada para pacientes que requerem anticoagulação crônica e tromboprofilaxia perioperatória. A ação ocorre pela inibição da formação de fatores dependentes de vitamina K (fatores pró-coagulantes II, VII, IX e X) e proteínas anticoagulantes S e C. Para profilaxia de trombose venosa profunda deve-se manter a atividade de protrombina em 20 ou 30% ou 1,5 a 2,5 vezes o controle. Os fatores de coagulação envolvidos têm diferentes meias-vidas (fator VII de 6 a 8 horas, fator II de 36 a 48 horas e fator X de 72 a 96 horas). Portanto, ao suspender a droga, o paciente pode ter RNI normal com efeito anticoagulante dos fatores II e X.

3. Uso de fibrinolítico e trombolítico

O uso de trombolítico promove a dissolução ativa do trombo pela ativação do plasminogênio plasmático em plasmina (enzima que dissolve o trombo). Os trombolíticos aprovados pela FDA são: estreptoquinase, uroquinase e o ativador do plasminogenio tecidual. A principal complicação desta terapêutica é a ocorrência de sangramento em torno de 5% a 20% dos casos.

4. Antiagregantes plaquetários

A aspirina inibe a ciclooxigenas de forma irreversível, acarretando disfunção plaquetária durante toda a sua vida biológica (6 a 10 dias). Os antiinflamatórios não esteróides promovem inibição plaquetária competitiva reversível. A função plaquetária retorna ao normal entre 1 a 3 dias da interrupção da medicação.

Complicações com a tromboprofilaxia

O sangramento, trombocitopenia induzido pela heparina e trombose são as principais complicações associadas ao uso de heparina não fracionada (standart) e a de baixo peso molecular. A trombose (arterial ou venosa) é caracterizada pela presença de anticorpo ativador de plaqueta heparino dependente. Ocorre reação cruzada entre a heparina não fracionada e de baixo peso molecular . Portanto, heparinóides sem heparina (ex danaparoide) devem ser utilizados em caso de trombose.

A HBPM causa significativamente menos hemorragia que a heparina não fracionada20. O aumento da dose pode acarretar sangramento, pois intensifica os efeitos da coagulação (dose dependente): a ação fibrinolítica e inibição da ligação da plaqueta para fibrinogênio e endotélio (13).
Recomendações para uso de bloqueio regional para pacientes em esquema de tromboprofilaxia

Heparina não fracionada, uso IV

Os estudos têm demonstrados que o bloqueio espinhal, após heparinização sistêmica, é relativamente seguro e utilizado com freqüência em cirurgia vascular. Os bloqueios regionais aumentam o fluxo sangüíneo em membros de pacientes com doença arteriosclerótica oclusiva, reduzindo trombose em prótese no pós-operatório.

Em cirurgia cardíaca também os bloqueios espinhais oferecem benefícios que incluem: analgesia pós-operatória, atenuação da resposta ao estresse e simpatectomia cardíaca. Certas precauções devem ser tomadas em pacientes serão submetidos a heparinização sistêmica para circulação extracorpórea (CEC), pois o risco de formação de hematoma está aumentado. Postergar a cirurgia por 24 horas quando houver sangramento durante a punção ou, então, quando o tempo de heparinização sistêmica exceder 60 minutos.

Os bloqueios regionais podem ser efetuados com segurança em pacientes que receberão heparinização subseqüente. A punção deve ser realizada 60 minutos antes da heparinização. O cateter deve ser removido quando a atividade da heparina estiver baixa ou completamente revertida. O efeito da heparina deve ser monitorado e mantido em níveis aceitáveis (TCA e TTPA 1,5 a 2,0 vezes o basal).

Muitos autores recomendam cancelar a cirurgia quando ocorrer sangramento durante a punção ou à passagem do catéter.

Recomendações

1. Evitar a técnica em pacientes com outras coagulopatias.
2. Heparina deve ser retardada e administrada 1 hora após a punção.
3. Remover o cateter 1 hora antes da heparina subseqüente ou 2 a 4 horas da última dose de heparina (24).

Heparina subcutânea (sc)

Recomenda-se:
1. Tanto para instalação da anestesia ou remoção do catéter deve ser respeitado o intervalo de 4 horas de administração.
2. Monitorizar os efeitos da coagulação (TTPA) em pacientes com doença hepática ou tromboprofilaxia de longa duração.
3. A administração prolongada de heparina não fracionada parece aumentar o risco de hematoma espinhal, especialmente se associado com outros anticoagulantes e trombolíticos. Portanto, o bloqueio deve ser evitado. Se a terapia anticoagulante é iniciada com o cateter previamente instalado, retardar a remoção do cateter por 2 a 4 horas da descontinuidade e avaliar o estado da coagulação.
4. A administração concomitante de outras medicações que afetam a coagulação, pode aumentar o risco de sangramento. Essas medicações incluem: aspirina, antiinflamatório não hormonais, heparina de baixo peso molecular e anticoagulantes orais.

Heparina de baixo peso molecular (HBPM) sc

Pacientes que receberam HBPM têm alteração da coagulação. A decisão de realizar bloqueio, em paciente que recebeu HBPM deve ser baseada na avaliação do risco de formação de hematoma espinhal e benefício de anestesia regional para o paciente específico.
A monitorização de anti-Xa não é recomendado, pois o nível de anti-Xa não é preditivo para o risco de sangramento não sendo útil para paciente que vai ser submetido ao bloqueio espinhal.
A punção espinhal única pode ser segura em paciente sob uso de heparina sc, no pré-operatório.

Recomendações:
1. A punção ou passagem de cateter deve ser realizada 10 a 12 horas após administração sc de HBPM, quando a concentração plasmática está baixa. Pacientes que receberam altas doses (1,0 mg/kg 2 x ao dia) devem ter a instalação do bloqueio retardado em 24 h.
2. Medicações antiplaquetária, heparina não fracionada ou anticoagulante oral administrados em associação com HBPM podem aumentar o risco de hematoma espinhal.
3. A presença de sangue durante a punção não necessariamente implica em adiar a cirurgia. Nestas condições a administração de HBPM deve ser postergada por 24 horas. A punção traumática aumenta o risco de hematoma e deve ser discutido com o cirurgião .
4. Heparinização no PO: a tromboprofilaxia parece ser segura após técnica de punção simples ou contínua. A 1ª dose de HBPM não deve ser administrada antes de 24 hs de pós-operatório e somente em presença de adequada hemostasia. O cateter deve ser removido antes da tromboprofilaxia. Se a técnica contínua for adotada, o cateter peridural pode permanecer à noite e removido no dia seguinte; a 1ª dose de HBPM deve ser administrada 2 h após remoção do catéter.
5. Catéter peridural associado a tromboprofilaxia com HBPM: a decisão de deixar o cateter exige cautela. É necessário fazer uma estreita vigilância no estado neurológico do paciente. Opióides associados à baixa concentração de anestésicos locais é recomendado para possibilitar freqüente monitorização (1 hora) da função neurológica. Se a analgesia for programada para continuar por mais de 24 h, a administração da HBPM deve ser retardada (em alguns casos) ou adotado método alternativo (compressão pneumática).
6. O catéter deve ser removido 10 a 12 h após a dose de HBPM. A dose subseqüente não deve ocorrer antes de completar 2 horas de remoção do catéter.
7. A vigilância após a remoção do cateter deve continuar por 12 a 24 horas.

Drogas antiplaquetárias

As medicações anti-agregantes plaquetárias não apresentam risco significativo para o desenvolvimento de hematoma espinhal em pacientes sob bloqueio regional.

O uso concomitante de outras medicações que afetam a coagulação (anticoagulante oral, heparina, HBPM), podem aumentar o risco de sangramento.
Não existe teste que oriente a terapia antiplaquetária.
Não existe até o momento, consideração sobre o tempo de punção ou instalação do cateter peridural, com a dose de antiinflamatórios não hormonais, bem como para monitorização pós-operatória ou tempo para remoção do cateter peridural.

Anticoagulantes orais

Os pacientes recebendo baixas doses de anticoagulante oral podem receber o bloqueio espinhal, entretanto, é importante salientar que o warfarin interfere com a cascata da coagulação. O estado de coagulação destes pacientes deve ser monitorado pelo tempo de protrombina e RNI, que é a razão entre o tempo de protrombina do paciente e o controle. O valor de RNI para profilaxia de trombose venosa profunda está entre 1,5 a 2,5.

Recomendações:
1. Os pacientes em esquema de anticoagulação crônica (oral), a medicação deve ser suspensa e o teste do RNI deve ser feito antes do bloqueio.
2. O uso concomitante de outras medicações (Aspirina, heparina) que comprometem a coagulação, aumentam o risco de sangramento, sem interferir nos valores de tempo de protrombia e RNI. Portanto, a passagem de cateter exige cautela nestes pacientes.
3. Pacientes que iniciaram a anticoagulação antes da cirurgia e que receberam warfarin 24 horas antes do bloqueio ou, então, que receberam a 2ª dose, devem fazer o teste do tempo de protrombina e RNI antes do blqueio.
4. Avaliar diariamente, o tempo de protrombina e RNI nos pacientes que receberam baixas doses de warfarin (5mg/dia), dose para profilaxia tromboembólica durante analgesia peridural. Esta avaliação deverá ser realizada, também, antes de retirar o cateter do espaço peridural.
5. Teste neurológico de avaliação da função sensitiva e motora devem ser realizados rotineiramente, em pacientes durante analgesia peridural com warfarin. Deve-se escolher a solução analgésica de menor bloqueio sensorial e motor. Esses testes devem ser realizados até completar 24 horas após a remoção do cateter ou por tempo mais prolongado quando o RNI é maior que 1.5 no momento da remoção.
6. RNI > 3 a dose de warfarin deve ser rapidamente reduzida em pacientes com analgesia peridural. Não há recomendação definitiva para remoção de cateter em pacientes anticoagulados.
7. Pacientes com resposta exacerbada à droga, devem receber menor dose de warfarin.

Agentes fibrinolíticos e trombolíticos

1. Os pacientes que receberam agentes fibrinolíticos e trombolíticos devem ser advertidos quanto a aplicação de anestesia espinhal. Existe orientação contra-indicando a punção de vaso não compressível durante 10 dias após uso desses agentes. Não existem dados disponíveis para estabelecer o tempo que a ser aguardado para punção espinhal após a suspensão destes agentes.
2. Pacientes recebendo heparina associados a agentes fibrinolíticos e trombolíticos apresentam grande risco de sangramento durante anestesia espinhal (Essas observações foram baseadas em pacientes que receberam agentes fibrinolíticos e trombolíticos e heparina durante trombose coronariana).
3. Pacientes que receberam bloqueio espinhal próximo à terapia fibrinolítca devem ser monitorizados em intervalo apropriado. O intervalo de moniorização neurológica não deve ser maior que 2 horas. Se o bloqueio regional for realizado concomitante a terapia fibrinolítica, a infusão da solução deve ser limitada aos agentes com mínimo de bloqueio motor e sensorial.
4. Não há recomendação definitiva para remoção do cateter em pacientes que, inexplicavelmente, receberam terapia fibrinolítica e trolmbolítica. A dosagem de fibrinogenio pode auxiliar nesta decisão.
5. Avaliar no pré-operatório se o paciente faz uso de agentes fibrinolíticos e trombolíticos e a possibilidade de utilização no perioperatório.

Preparo da equipe

Os serviços que utilizam-se da associação da técnica de bloqueio regional com tromboprofilaxia devem desenvolver programa de orientação para enfermeiras e equipe médica sobre detecção precoce de sintomas de compressão espinhal como: aumento de fraqueza das pernas, perda de sensibilidade nas pernas e região perineal, perda do controle vesical e às vezes dor lombar. O diagnóstico precoce de compressão é fundamental pois, 90% tiveram remissão completa da função quando a descompressão foi realizada 8 horas do início dos sintomas. O prognóstico de recuperação é menor que 10% quando o tratamento demora mais que 24 horas. Neste programa de orientação deve incluir, também, os cuidados com a manipulação do cateter, pois Skilton e Justice, em 1998, descreveram hematoma peridural após retirada indevida do cateter (ação da heparina em período anticoagulante).

Todos os hospitais em que esta conduta está estabelecida, devem estar preparados para estabelecer diagnóstico urgente com ressonância nuclear magnética ou mielografia com tomografia e subseqüente descompressão cirúrgica nos casos confirmados.

Contra-indicações absolutas para realização de bloqueios espinhais

– Recusa do paciente
– Pacientes não cooperantes
– Distúrbio de coagulação grave
– Hipovolemia não tratada
– Infecção no local da punção
– Infecção generalizada grave
– Aumento da pressão intracraniana

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Indicações para anticoagular
Última modificação porMarcio R4
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