Particularidades no atendimento à criança vítima de trauma

A criança vítima de um trauma apresenta certas peculiaridades, próprias da faixa etária, que podem levar a uma evolução desfavorável muito rapidamente. Por este motivo necessita de atenção rápida e especial, além de um grande cuidado na avaliação inicial. O atendimento à criança vítima de trauma deve contemplar as particularidades fisiológicas e anatômicas próprias da faixa etária da criança, além de capacitação do profissional
no atendimento à criança, equipamentos adequados para a faixa etária pediátrica e ajuste das doses de medicamentos.

Princípios básicos para o atendimento inicial à criança que sofreu trauma

A: vias aéreas e coluna cervical
B: respiração
C: circulação
D: avaliação neurológica
E: exposição e medidas de prevenção contra frio e hipotermia

ABCDECONDUTA A SER ADOTADAATENÇÃO ESPECIAL
A: posicionar,
desobstruir,
estabilizar vias
aéreas,
estabilização
cervical
Administrar O2 a 100% com fluxo em máscara de 10/12 l/min
Oxímetro complementar
Caso necessário, realizar intubação orotraqueal (IOT).
Imobilização cervical
Manobras: elevação do queixo e anteriorização da mandíbula
Cânula orofaríngea
Via aérea definitiva (se Glasgow ≤8)
Corpo estranho em vias aéreas
Fratura de mandíbula ou maxilo-facial
Lesão traqueal ou laríngea
Lesão de coluna cervical
B: suporte
ventilatório
Observar: aumento da frequência respiratória (FR), padrão respiratório, aumento do trabalho respiratório, Sat O2 > 90%.
Avaliar: alteração da coloração da pele e das mucosas, depressão do nível de consciência.
Avaliar traumatismos torácicos (em crianças podem ocorrer mesmo sem fraturas de arcos costais)
Ausculta torácica bilateral
Desvio de traquéia
Sinais vitais
Sonda gástrica para aliviar distensão gástrica e reduzir o risco de vômitos e aspirações
Pneumotórax hipertensivo
Tórax instável com contusão
pulmonar (assincronia da
expansibilidade pulmonar)
Pneumotórax aberto
Hemotórax maciço
C: estabilização
circulatória,
com
estabelecimento
de acesso
vascular e de
reanimação
volumétrica.
Volume sanguíneo e débito cardíaco (nível de consciência, cor
da pele, pulso).
Diagnóstico de choque
Controle do sangramento e reposição volêmica adequada
Em crianças, a queda da PA pode apresentar-se como sinal tardio.
Outros sinais clínicos: palidez cutaneomucosa, taquicardia e
enchimento capilar lento.
Infusão de soro fisiológico (SF) ou Ringer lactato (RL) aquecido (a hipotermia pode levar a coagulopatias no traumatizado)
Realizar em acesso de grosso calibre (02 acessos)
Acesso vascular, se insucesso após 03 tentativas ou tempo > 90 s tentar via intraóssea ou cateter venoso central.
Sonda vesical para controle de débito urinário
Lesões intra-abdominais ou intratorácicas
Fraturas de fêmur ou pelve
Lesões penetrantes com comprometimento arterial ou venoso
Hemorragia externa de qualquer fonte
Contraindicações de sondagem vesical: sangue no meato uretral, hematoma escrotal, anormalidades ao
toque retal, suspeita de fratura pélvica.
A pericardiocentese deve ser lembrada na presença de
choque persistente
D: avaliação
neurológica
(disability)
Nível de consciência: AVDI (alerta, verbal, dor, inconsciência) e Escala de Glasgow.
Lesão medular
Avaliação das pupilas – Resposta pupilar
Síndrome de herniação cerebral (tríade clássica de CousherCushing: anisocoria, HAS e apnéia).
Manobras de redução da PIC devem ser iniciadas mesmo sem a confirmação radiológica
Realizar tomografia de crânio para diagnóstico mais efetivo assim que possível
Evitar uso de drogas depressoras do SNC de ação prolongada
Trauma craniano
Choque
Alterações neurológicas
secundárias à álcool/drogas
(diagnóstico de exclusão)
E: exposição
corpórea e
controle de
temperatura e
controle do
ambiente
Remoção das roupas
Inspeção: contusões queimaduras, inalação de fumaça.
Evitar hipotermia
Não subestimar perda de
calor e perdas insensíveis de água
Mantenha aquecido
*Triagem: em regiões metropolitanas, as crianças com TCE grave devem ser transportada diretamente para um centro de trauma pediátrico.

Particularidades do atendimento pediátrico

Diferenças Anatômicas, Funcionais e no Tratamento Instituído.Habilidade do Profissional e conhecimento necessárioEquipamentos
Vias Aéreas e Coluna CervicalDiferenças anatômicas tornam
a manutenção das vias aéreas
pérveas com proteção da
coluna cervical e a intubação
traqueal mais difíceis
A via aérea definitiva
preferencial na sala de
emergência é a intubação
orotraqueal.
Cricotiroidostomia pode ser
necessária no traumatismo
facial grave ou em pacientes
com lesão instável de coluna
cervical.
Reconhecimento das
diferenças anatômicas
das vias respiratórias em
crianças.
Conhecimento das
diferenças nas técnicas
para a intubação traqueal.
Tamanhos adequados dos
equipamentos para a faixa
etária pediátrica. (AMBU,
máscaras, laringoscópios e
Tubos endotraqueais).
RespiraçãoA ventilação pode estar
comprometida por distensão
gástrica com consequente
diminuição da mobilidade do
diafragma e aumento do risco
de vômitos e aspirações
Conhecimento dos sinais
de insuficiência
respiratória em criança
(padrão respiratório, FR
normal para cada faixa
etária, uso de
musculatura acessória).
Equipamentos de tamanho
adequado para a faixa etária
pediátrica como máscaras de
oxigênio e de drenos
torácicos.
Circulação – Gestão do
Choque
Lesões tegumentares e fraturas
desalinhadas de ossos longos são os principais focos de
sangramento aparente
Sangramentos internos, em
cavidade torácica, abdominal
ou pélvica são a principal causa
de morte passível de ser evitada
em criança vítima de trauma.
Os sinais de choque podem ser
observados imediatamente ou
evoluir muito lentamente.
Se a perda for >15% sinais de
falência circulatória vão estar
presentes (taquicardia,
diminuição de pulsos
periféricos, aumento do tempo
de enchimento capilar,
extremidades frias).
Hipotensão acontece após
≥ 25 – 30% do volume
Reanimação deve ser iniciada
se houver comprometimento da
perfusão sistêmica
Se choque compensado
(perfusão comprometida e PA
normal): reposição em bolus de
20 ml/Kg de solução cristaloide
aquecida (Soro fisiológico ou
Ringer lactato). Repetir de
acordo com o padrão de
resposta hemodinâmica
(positiva, transitória, ou
ausente).
Se sinais de choque persistirem
após 2 bolus, está indicada
transfusão sanguínea.
S ≥ 25% 30%
hipotensão (choque
descompensado), com
necessidade de reposição de
sangue.
Se não houver resposta à
administração de 50 ml/Kg de
solução cristaloide isotônica
está indicada transfusão
sanguínea e/ou intervenção
cirúrgica
O sangue deve ser administrado
em bolus de 10 ml/Kg de
concentrado de hemácias,
alternados com solução
fisiológica à temperatura do
corpo, ou bolus de 20 ml/Kg de
sangue total até melhora da
perfusão sistêmica
Conhecimento dos
valores normais dos sinais vitais nas
diferentes faixas etárias.
Conhecimento de
diferentes respostas
fisiológicas à perda de
sangue e variadas
manifestações de choque
nas diferentes faixas
etárias.
Conhecimento de doses
pediátricas para
administração de fluídos.
Conhecimento de doses
pediátricas para
transfusão de sangue para
o tratamento de
hemorragia grave e/ou
choque.
Treinamento em na
inserção de cânulas
intravenosas pediátricas,
acesso venoso periférico
e técnica de acesso intraósseo.
Tamanhos adequados dos
equipamentos para faixa etária pediátrica: Cânulas
intravenosas, manguito,
cateteres urinários, sondas
nasogástricas, agulha intraóssea ou equivalente, balança
para verificação do peso.
Instalações laboratoriais:
Capacidade de realizar testes
de laboratório com pequenas
amostras de sangue.
Neurológico – TCEÍ G w ≤ 8 está
relacionado com mortalidade
de 40% e sequelas neurológicas
graves
Calcular nível de
consciência (escala de
coma Glasgow
modificada para
crianças).
Não há diferenças
ExposiçãoA criança, em especial o
lactente sofre rápida perda de
calor, por ter superfície
corpórea maior em relação ao
peso.
A queda da temperatura leva ao
aumento do consumo de
oxigênio e vasoconstrição
periférica
Conhecimento sobre
maior ocorrência de
hipotermia e da
necessidade de manter a
temperatura ambiente
adequada e utilizar calor
radiante se necessário
Aparelhagem que possibilite
controle da temperatura
ambiente
Fonte de calor radiante
Avaliação SecundáriaUtilizar a regra AMPLA
A – alergias
M – medicações
P – história médica pregressa
L – última refeição
A – atendimento no local do
acidente, eventos que levaram à
lesão, principal mecanismo de
lesão, tratamento até o
momento, temo estimado de
chegada
Não há diferençasExames laboratoriais e de
imagem:
Hb/Ht- medidas seriadas
Transaminases séricas
Amilase
Urina I
RX: coluna cervical, tórax e
bacia.
US abdome
CT: crânio, coluna cervical e
abdome.
Lesão ExtremidadeOssos em crescimento são
menos densos, mais maleáveis,
com grande capacidade de
absorção de energia, e
diminuição da linha de
propagação da fratura. Pode
ocorrer dano ósseo, mesmo
sem fratura (f ratura em galho
verde, incompletas,
deformidades plásticas).
Núcleos de crescimento
(cartilagem epifisária): fraturas
mais críticas.
Suprimento de sangue pode ser
interrompido mais facilmente
Conhecimento de lesões
ortopédicas específicas
para a faixa etária e suas
complicações (por
exemplo: fraturas
epifisárias , em galho
verde, incompletas).
Não há diferenças
Lesão na ColunaFraturas mais comuns: acima
de C3 (no adulto acima de C5 e
C6).
Maior suscetibilidade às forças
inerciais aplicadas ao pescoço
pelo processo de aceleraçãodesaceleração
Conhecimento das
diferenças na anatomia
da coluna vertebral na
infância.
Habilidade de
interpretação de raio-x de
coluna (casos cirúrgicos
ou não)
Colares cervicais em
tamanhos pediátricos
Queimaduras e FeridasPredomínio de acidentes por
líquidos ou objetos quentes.
Estima-se que 10% destes
casos sejam decorrentes de
violência.
Correta avaliação do
percentual de área de
superfície corporal
queimada e classificação
Método da mão do paciente
(corresponde 1% da superfície
corporal) e esquema de Lund
Browder.
ReabilitaçãoSão frequentes as alterações
residuais da personalidade,
sequelas cognitivas, síndrome
de estresse pós-traumático
Monitoramento do
crescimento e
desenvolvimento para
assegurar que os marcos
normais estão sendo
satisfeitos, tanto quanto
possível, apesar da lesão
sofrida e/ou sequelas.
Não há diferenças
O Controle da Dor e
Medicamentos
Crianças menores de 03 anos
podem ser incapazes de manifestar verbalmente a dor
Conhecimento de doses
pediátricas para os diferentes medicamentos
utilizados.
Referências/gráficos para o
cálculo das doses dos medicamentos e Escalas de
avaliação da dor
Diagnóstico e MonitorizaçãoContínua de dados vitais (FC,
FR, PA, TC, Sat O2, escala de
coma de Glasgow,
sangramentos e débito urinário,
sondagem vesical, exceto se
hematúria ou suspeita de lesão
de uretra ou fratura pélvica).
Programação de exames:
sangue/tipagem, gasometria
arterial, urina.
Exames de imagem, conforme
achados clínicos e/ou
mecanismo de trauma.
Monitorização
eletrocardiográfica
Sondagem gástrica e vesical
Atentar para o fato que o
trauma em crianças
frequentemente acomete
vários órgãos
simultaneamente, pois
em sua maioria é
decorrente de trauma
fechado.
Cateteres urinários em
tamanhos pediátricos.
Recursos laboratoriais para
volumes pediátricos (como já
mencionado acima).
Fita Broselow para calcular
tamanho de equipamentos e as
doses pediátricas

Diferenças anatômicas e fisiológicas a serem consideradas no trauma infantil

PARTE DO
CORPO
ACOMETIDA
PARTICULARIDADES DA CRIANÇA
Segmento
Cefálico
Representa grande porcentagem da superfície corpórea. Lesões acarretam grande perda
de calor.
Couro cabeludo e espaço subgaleal são locais de formação de grandes hematomas.
Crânio mais tolerante à presença de expansão por sangue e lesões, devido às fontanelas,
suturas e proeminência occipital, mais suscetível às hemorragias severas.
Calota craniana mais flexível, capaz de absorver impactos maiores.
Maior suscetibilidade às lesões secundárias, hipoxemia, hipoperfusão cerebral e
aumento da Pressão intracraniana (PIC).
Lesões de SNC difusas mais frequentes que as focais.
Mielinização incompleta, maior plasticidade neural.
FaceDesenvolvimento incompleto dos seios paranasais, proeminência menor dos ossos
faciais.
Grande elasticidade óssea, centros de crescimento múltiplos.
Maior proporção de tecidos moles
Dentes em desenvolvimento, formação parcial dos dentes permanentes.
Alto grau de vascularização óssea, elevado potencial osteogênico.
Alta incidência de fraturas mandibulares em traumas de alto impacto
Coluna CervicalPescoço mais curto, musculatura menos desenvolvida, suporta maior peso que o adulto.
Coluna mais elástica e móvel, vértebras menos rígidas, menos predispostas às fraturas.
Fraturas mais comuns acima de C3 (no adulto acima de C5 e C6).
Maior elasticidade dos ligamentos
Achados anatômicos semelhantes ao adulto aos 15 anos.
Maior suscetibilidade às forças inerciais aplicadas ao pescoço pelo processo de
aceleração-desaceleração
Comprometimento da coluna cervical: anatômico se associado à lesão óssea vertebral e
funcional se comprometimento da medula espinhal sem anormalidades radiológicas.
TóraxPouco frequente, mas representa a segunda causa de morte por trauma na criança.
Trauma contuso mais frequente devido a esqueleto mais flexível, mais complacente
AbdomeLesãLesões pulmonares ou mediastinais sem lesão do arcabouço ósseo adjacente são
comuns
Fraturas costais sugerem trauma decorrente de grande transmissão de energia
Estruturas do mediastino com maior mobilidade
Mecanismos de compensação respiratórios diminuídos.
Maior risco de hipóxia por maior consumo de oxigênio e menor capacidade respiratória
pulmonar
Taquipnéia surge mais precocemente em resposta à hipóxia
Respiração diafragmática (alinhamento horizontal das costelas e imaturidade dos
músculos intercostais) levando à fadiga precoce e deglutição aumentada de aro contusa predomina sobre a penetrante (trauma fechado ocorre em 90% das vezes)
Trauma abdominal é a terceira causa de morte
Os órgãos sólidos proporcionalmente maiores
Parede abdominal fina e protuberante, menor quantidade de massa muscular.
Costelas flexíveis e finas, gradeado costal mais alto e flexível.
Ligamentos e tecidos conjuntivos mais complacentes e elásticos
Lesões hepáticas, esplênicas e renais, geralmente são autolimitadas.
Trauma direto do abdome superior pode causar hematoma de parede duodenal
Pseudocisto de pâncreas mais frequente que no adulto
“S ” b alta na
região mesogástrica, associada à fratura de vertebras lombares, com alta taxa de lesões
gastrintestinais associadas (ruptura direta da víscera ou sua avulsão do mesentério).
ExtremidadesTrauma por contusão em 90% das vezes
Ossos em crescimento menos densos e mais maleáveis, mais complacentes, com maior
capacidade de absorção de energia, podendo levar a dano ósseo, mesmo sem fratura.
Diminuição da linha de propagação das fraturas (atentar para fraturas incompletas em
galho verde, deformidades plásticas).
Periósteo mais forte e mais fino
Traumas e torções podem produzir fraturas de ossos longos
Núcleos de crescimento (cartilagem epifisária): estruturas mais fracas do esqueleto,
fraturas mais críticas.
Maior tensão dos ligamentos: separações epifisárias podem ocorrer
Traumas graves produzem fraturas vertebrais e torácicas
Suprimento de sangue pode ser interrompido mais facilmente
PelveOssos mais flexíveis, cartilagens mais elásticas.
Podem ocorrer deslocamentos sem fratura, fraturas únicas no anel pélvico ou até
avulsão pélvica.

Classificação da gravidade do trauma

Crianças com trauma multissistêmico ou com alto risco de mortalidade (ETP menor ou igual a 8 ou ETR menor ou igual a 1) devem ser transferidas para um centro de trauma especializado.

etp
Escala de traumatismo pediátrico (ETP)
etr
Escala de trauma revisada (ETR)

Violência infantil e maus-tratos
Última modificação porMarcio R4
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