Fratura do calcâneo

Anatomia

A metade posterior do calcâneo apresenta cortical mais espessa (perto da inserção do tendão calcâneo); as superfícies articulares ficam localizadas na ½ anterior do osso. Lateralmente o calcâneo apresenta a tuberosidade (parte posterior), corpo do calcâneo, processo lateral da tuberosidade (origem da fáscia plantar e outros músculos) e a tróclea fibular.

Bohler descreveu o ângulo articular tuberositário, formado por 2 linhas: uma é traçada entre a parte mais alta do processo articular anterior e a parte mais alta da faceta posterior, e a outra do mesmo ponto da faceta posterior até o ponto mais elevado da tuberosidade do calcâneo.O valor normal varia de 25 a 40º. A perda desse ângulo significa perda da altura do calcâneo (encurta tríceps sural, diminuindo a propulsão).

Ângulo crucial de Gissane, é formado pela parte descendente da faceta posterior, onde ela se conecta à parte ascendente. Esse ângulo está voltado para o processo lateral do tálus e mede 100º (120-145º ). O aumento desse ângulo indica colapso da faceta posterior.

Na região medial do calcâneo temos as facetas articulares anterior e média, além do sustentáculo do tálus.

As principais funções do calcâneo são agir como braço de alavanca do complexo gastrocnêmio-sóleo, proporcionar sustentação do peso do corpo e manter o comprimento do pé e seus componentes em arco.

Epidemiologia

O calcâneo é o maior e mais freqüentemente fraturado osso do tarso.
– 75% são fraturas (Fx) intra-articulares (EVERSÃO)
– 25 a 30% são Fxs extra-articulares (INVERSÃO)

Imagem

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Incidência de Broden

RX

Deve-se obter no mínimo 3 Rx simples: AP do retropé (busca envolvimento da calcâneo-cuboídea), Perfil (envolvimento da subtalar, Â de Bohler) e a incidência de Harris do calcâneo (avalia o grau de alargamento do retropé, perda de altura e fornece informações do envolvimento intra-articular).

A incidência de Harris é obtida com flexão dorsal passiva do tornozelo (TNZ), obtendo-se RX tangencial à face plantar do calcanhar.
A radiografia conhecida como projeção lateral oblíqua do pé é obtida com a borda medial do pé apoiada sobre o chassi. A parte medial do retropé deverá ser girado a 45º para longe do chassi e o feixe de RX deverá ser centralizado 2,5 cm abaixo e anterior ao maléolo lateral. O objetivo é avaliar faceta anterior e o processo anterior do calcâneo.

A incidência de Broden é uma projeção da faceta posterior. O RX é obtido com rotação interna de 45º do pé e inclinação do feixe de RX entre 10 e 40º.
– Projeção para faceta articular posterior
– Rotação interna da perna de 45º
– Tubo angulado de 10-40º cefálico
– Visão direta da faceta posterior da subtalar

Dois RX adicionais ajudam a avaliar a faceta posterior do calcâneo: a projeção medial oblíqua e a projeção lateral oblíqua do retropé. O RX medial oblíquo é obtido com flexão dorsal passiva do TNZ, girando internamente o pé do paciente 60º e angulando a porção medial do retropé para longe do chassi. O feixe entra com inclinação cranial de 10º e centralizado 2,5cm abaixo e a frente do maleolo lateral.

TC

Todos os pacientes candidatos à cirurgia devem ser submetidos à TC. A TC é realizada com paciente em supino, joelho fletido e pé plantígrado. Quanto às imagens coronais, o pórtico deverá ser inclinado entre 20 e 40ª. Essas imagens são úteis na avaliação da faceta posterior. Os cortes axiais ajudam a avaliar a calcâneo-cuboídea, grau de alargamento do retropé e nível de cominuição.

Classificação

Extra-articulares: fx do processo anterior, do sustentáculo do tálus, fx do corpo e fx da face posterior.

Intra-articulares: envolvem as articulações subtalares e incluem as facetas posterior, média e anterior. As fx da articulação calcâneo-cuboídea também se enquadra nas fx intra-articulares.

Classificação da OTA: 73 (designação do calcâneo), A (fx extra-articulares), B (fx isolada do corpo do calcâneo) e C ( fx intra-articulares).

Fraturas extra-articulares

São aquelas que não afetam diretamente a faceta posterior. Totalizam 25 a 30% das fx do calcâneo. O mecanismo de trauma varia desde pequenas quedas, entorses, até contrações musculares mais intensas. Os sintomas incluem dor localizada em região específica do calcâneo, edema do retropé, dificuldade para deambulação. As fx extra-articulares são divididas de acordo com a região anatômica acometida:

1. Fx do processo anterior: resultam de inversão forçada; ocorre dor na região antero-lateral do retropé e dor à palpação do processo anterior; o Rx oblíquo é o que melhor demonstra essa lesão. Fx que afetem – de 25% poderão ter tto conservador com gesso sem carga por 4 a 6 sem; caso contrário opta-se pela RAFI.

2. Fx do corpo: resultam de traumas + acentuados ( acidentes de carro ); ocorre edema difuso do retropé e o grau de deformidade depende do grau de deslocamento. O tto primário é não-cirúrgico, com PRICE e depois imobilização sem carga por 6 sem, começando a apoiar progressivamente o peso.

3. Fx do sustentáculo do tálus: são raras e ocorrem por uma combinação de forças axiais e inversão forçada do pé. Ocorre edema e hipersensibilidade na região medial. Pode ocorrer dor à movimentação do flexor longo do hálux. As fx sem desvio são tratadas com gesso sem carga por 6 sem, com apoio progressivo do peso. Se houver desvio pode ser tentada redução fechada com inversão+ flexão plantar do pé ou RAFI.

4. Fx da tuberosidade: podem resultar de forte tração do tríceps ou impacto direto. Se houver desvio pode haver prejuízo ao tríceps. O QC é de dor, edema na parte posterior. O teste de Tompson poderá ser +. Fx sem desvio são tratadas com gesso em posição ligeiramente eqüina por 6 sem. Se houver desvio e perda da continuidade do tríceps, o tto é cirúrgico (percutâneo ou aberto). O pé é imobilizado na mesma posição anterior por 6 a 8 sem sem carga, seguindo apoio progressivo.

Fraturas intra-articulares

Mecanismo de Trauma: EVERSÃO.

Correspondem a 75% das fx do calcâneo. Tem como causa mais comum a queda de alturas (mais que 2,4 m). Acomete mais homens entre 30 e 50 anos. Outra possível causa é o acidente de trânsito.

O paciente se queixa de dor e edema no retropé e incapacidade funcional. Leões expostas e neurovasculares são raras. As síndromes compartimentais ocorrem em 10% dos casos. Fx exp-5%. Aproximadamente 50% dos pacientes tem lesões associadas (fx da coluna, fx bilateral em 5%, e outras fx dos mmii).

Associação frequente de outras lesões causadas por forças axiais:
– fratura da coluna
– fratura do terço distal do rádio
– fratura do planalto tibial
fratura do pilão tibial

A maioria das fx intra-articulares do calcâneo apresenta um fragmento medial estável, constituído das facetas anterior e média e pelo sustentáculo do tálus. O fragmento intra-articular será fixado nesse fragmento estável, que por sua vez será fixado ao corpo do calcâneo por uma placa.
Se o pé e o calcanhar estiverem invertidos no momento do impacto, ocorrerá uma fx extra-articular. Se o calcanhar estiver evertido, o tálus irá fender como uma cunha a faceta posterior e ocorrerá uma fx intra-articular.

Classificação

Classificação de Essex-Lopresti

Radiográfica:
Essex-Lopresti: dois tipos, em língua (linha de fx prolongando-se ao longo do eixo axial, da direção plantar-medial para dorso-lateral, com linha de fx secundária prolongando-se posteriormente a partir do ângulo de Gissane, com grande fragmento póstero-superior que tende a girar distalmente) e em depressão articular (mais freqüente, com linha de fx avançando a partir do ângulo de Gissane e contornando a face posterior da faceta posterior).

Tipo língua:
– Linha de fratura secundária: do ângulo de Gissane posteriormente
– Resultado:
– – Um fragmento grande postero súpero-lateral
– – Contém a borda lateral da faceta posterior e o córtex dorsal da tuberosidade
– – Tende a rodar distalmente, deprimindo a porção distal para plantar e elevando a porção posterior dorsalmente

Tipo depressão (mais comum):
– Linha de fratura secundária:
– – Geralmente deprimido plantarmente
– Do ângulo crucial de Gissane e roda ao redor da face posterior da faceta posterior para criar um fragmento da tuberosidade contendo a porção menor da faceta articular posterior

TC:
Crosby-Fitzgibbons: através da TC coronal da faceta posterior, divide as fx intra-articulares em 3 tipos: Tipo1:fx minimamente ou não desviada da faceta posterior; Tipo2:fx intra-articulares deslocadas da faceta posterior, com 2mm ou + de desvio ou afundamento e 2 ou 3 fragmentos intra-articulares; Tipo3: fx intra-articulares com maciça cominuição e deslocamento.

Sanders: baseado em imagens de TC coronais da faceta posterior.
1. Tipo1: podem incluir até 3 linhas de fx e 4 fragmentos, porém sem desvio;
2. Tipo2: incluem 2 fragmentos intra-articulares. Dividida em 2 A quando a linha de fx é lateral, 2B se a linha é central e 2C se a linha de fx é medial.
3. Tipo3: incluem 2 linhas de fx e 3 fragmentos. È subdividida de acordo com as linhas de fx (ex:3BC é um tipo 3 com linha de fx central e medial);
4. Tipo 4: pelo menos 3 linhas de fx e 4 fragmentos com considerável deslocamento.

Classificação de Sanders
Classificação de Sanders

Tratamento

Tratamento não-cirúrgico:

Imobilização sem apoio por 6 a 8 semanas, seguida por movimentação gradual; ou manipulação da fx, seguida de imobilização e inicio razoavelmente precoce do início do movimento. O apoio do peso deverá ser evitado por 6 a 8 semanas. Caso se constate deformidade em valgo ou proeminências ósseas, a redução fechada poderá reduzir a possibilidade de pressão sobre o tendão fibular.

Os pacientes candidatos a imobilização sem redução devem ter aparência clínica normal do calcanhar, sem pressão sobre os tendões fibulares e idosos.

A redução incruenta pode ser realizada pela técnica de Omoto (paciente em decúbito ventral, joelho fletido e é realizada compressão mais tração do fragmento da tuberosidade).

Tratamento cirúrgico:

Técnica de Essex-Lopresti: paciente de bruços, incisão ligeiramente lateral à inserção do tendão calcâneo. Insere-se 1 pino de Steimann no fragmento em língua, em direção à calcâneo-cuboídea. Levanta-se então o pino para desempactar o fragmento em língua e em seguida o pino e aprofundado em direção anterior, fixando o fragmento.

Redução aberta percutânea e fixação externa: técnica em 2 estágios que utiliza inicialmente 1 fixador externo, principalmente em pacientes com lesão importante de tecidos moles, realizando-se mais tarde a RAFI secundária.

RAFI (via lateral – via de Sangeorzan): é a técnica padrão para redução anatômica de fx intra-articulares. A incisão é feita em L, proximalmente localizada enter o tendão calcâneo e a fíbula e distalmente na junção entre a pele plantar e lateral. Deve-se destacar o retalho de pele diretamente do osso para peservar seu suprimento sanguíneo. A cirurgia pode ser complicada por problemas cutâneos pós-operatórios, devendo ser adiada por 2 a 3 semanas, até que todo o edema seja reabsorvido (teste da ruga positivo); ou realizada nas primeiras 24h. A fixação pode ser feita com pequenos parafusos para osso esponjoso, parafusos corticais de compressão e com placas. O paciente é imobilizado no pós-operatório com órtese removível e os exercícios são iniciados após 2 a 3 semanas. O paciente não deverá apoiar o peso por um período que varia de 6 a 12 semanas.

Alternativamente, podem ser usadas outras vias de acesso como a via medial ou via combinada (lateral e medial).

Fusão subtalar primária: no caso de fx intra-articulares gravemente cominuídas, há quem defenda a fusão primária. Sanders aconselha a artrodese primária para fx do tipo 4. A artrodese é realizada retirando-se a cartilagem e colocando-se um parafuso atravessando a subtalar. O apoio do peso é retomado em 6 semanas.

Complicações

Consolidação viciosa, aumento da largura do calcanhar, redução da altura do calcanhar, saliências ósseas, impacto subfibular, tendinite fibular, artrose subtalar, lesões neurovasculares, artrose da calcâneo-cuboídea, distrofia simpática, pseudoartrose, problemas cutâneos da incisão cirúrgica (necrose).

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Última modificação porMarcio R4
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