Ferimento na coluna vertebral por projéteis de armas de fogo (PAF)

O aumento progressivo da incidência e gravidade do trauma raquimedular (TRM) por projétil de arma de fogo (PAF) nos
últimos anos tem sido motivo de grande preocupação, por espelhar desequilíbrio social que afeta a todos, principalmente jovens em idade laboral, devendo ser considerado pelos órgãos públicos como grave problema de saúde pública.

Os ferimentos por PAF na coluna vertebral, na grande maioria das vezes, são acompanhados de déficit neurológico, devido a lesões medulares e/ou radiculares associadas. O grau de lesão tecidual causado pelo PAF depende da energia transmitida pelo projétil aos tecidos, no momento do trauma. Essa energia varia de acordo com a massa do projétil e com o quadrado da velocidade do mesmo. A grande maioria das armas de uso civil são consideradas de baixa velocidade (menor que 1.000 pés/s), enquanto as armas de uso militar são de alta velocidade (ao redor de 3.250 pés/s). Depreende-se, então, que os ferimentos causados por armas militares são bem mais graves e complexos do que os causados por armas civis. Em face dessa diferença básica no mecanismo de trauma, os protocolos de tratamento adotados nos períodos de guerra não devem ser diretamente empregados nos ferimentos por PAF de baixa velocidade.

Ademais, o tipo de lesão neural decorrente deste mecanismo costuma acarretar com mais frequência uma anormalidade medular completa, com piores prognósticos em relação às demais causas de lesão espinhal. As lesões por arma de fogo representam, entre as internações por causas externas, a maior taxa de mortalidade, com aproximadamente 10 óbitos por 100 internações e com custo 34% mais elevado em relação aos outros tipos de agressões.

Nos casos de TRM por ferimentos por arma de fogo (FAF), as taxas de mortalidade variam de 3 a 18,5%, sendo maiores nos pacientes com lesão cervical e ASIA A. A idade avançada, comorbidades preexistentes, e lesão neurológica completa foram consideradas significativos fatores de risco para mortalidade intra-hospitalar.

Tipos de ferimento

A maior parte dos ferimentos por PAF na coluna vertebral em nossos pacientes foi do tipo transfixante (73,5% dos casos). O segundo tipo de ferimento mais frequente foi aquele no qual o projétil ficou alojado dentro do canal vertebral, constituindo 20,4% dos casos. Os demais tipos de ferimentos, como o alojamento do projétil no disco intervertebral, no corpo vertebral e a fratura da lâmina, só ocorreram em 6,1% dos casos.

Na maioria dos pacientes, o projétil assumiu um trajeto intracanal (25%). É válido destacar que a descompressão e a retirada de projéteis intracanais em T12 e em níveis abaixo podem melhorar a função motora, justificando a indicação cirúrgica.

  • Devido ao seu maior comprimento, a coluna torácica é a mais frequentemente acometida.
  •  Os traumatismos da coluna vertebral por PAF são muito mais freqüentes nos homens do que nas mulheres.
  • Os pacientes jovens são os mais freqüentemente acometidos pelos ferimentos por PAF < 30 anos

Avaliação neurológica

92,4% apresentam déficit neurológico completo. A maior parte desses era portadora de ferimentos do tipo transfixante da coluna torácica e cervical. Apenas 3,7% revelam déficit neurológico incompleto quando da sua admissão no serviço, sendo que na maioria das vezes os ferimentos ocorreram na coluna lombossacra, com lesão parcial e assimétrica da cauda eqüina. Em 3,9%, a despeito do ferimento da coluna vertebral, o exame neurológico era normal, tanto no início como no término do tratamento.

É importante destacar que uma das variáveis mais aceitas pela literatura como fator prognóstico é a apresentação clínica dos pacientes à admissão, sendo que as lesões completas (ASIA A) apresentam muito baixo potencial de recuperação, enquanto as incompletas e de cauda equina apresentam potencial de recuperação de 47% e 86%, respectivamente.

Lesões associadas

Em relação às lesões associadas, os traumas de tórax e os traumas cranioencefálicos (TCE) foram os mais frequentes.

As lesões associadas ao trauma raquimedular ocorreram em 18,4%. Desse total, o hemopneumotórax foi o mais freqüente, seguido pela perfuração de vísceras abdominais.

Classificação e Tratamento

Os pacientes foram divididos em ferimentos de três tipos:
• Tipo I: ferimento por projétil de arma de fogo transfixante, no qual são observados projéteis ou fragmentos no canal vertebral;
• Tipo II: ferimento por projétil de arma de fogo no qual o projétil ou os fragmentos são identificados dentro do canal vertebral;
• Tipo III: ferimento por projétil de arma de fogo no qual o mesmo se localiza no espaço intervertebral.

Cada um deste tipos é subdividido em dois subtipos:
A) ferimento não associado a perfuração de vísceras abdominais;
B) ferimento associado a perfuração de vísceras abdominais.

Pacientes classificados como do subtipo B devem ser tratados com antibioticoterapia endovenosa de largo espectro por duas semanas para prevenção de infecção; pacientes do grupo I devem ser tratados de modo conservador a menos que apresentem déficit neurológico progressivo; pacientes do tipo II devem ser tratados cirurgicamente para aumentar as chances de recuperação neurológica; e pacientes do grupo III devem ser tratados cirurgicamente para minimizar os riscos da intoxicação pelo chumbo.

A maior parte dos pacientes é tratada conservadoramente. Existe consenso na literatura de que as lesões por
FAF são de tratamento conservador em grande parte dos casos, seja porque as fraturas causadas são geralmente estáveis ou porque a descompressão medular nem sempre é indicada.

Embora as indicações de cirurgia sejam controversas, a literatura descreve como principais indicações para laminectomia descompressiva com retirada do projétil: déficit neurológico progressivo em um paciente com lesão medular incompleta, migração do projétil intracanal, fístula dural, instabilidade do segmento atingido, suspeita de intoxicação por chumbo, e
pacientes com déficit neurológico parcial, especialmente aqueles com síndrome da cauda equina, com o comprometimento do canal vertebral pelos fragmentos ósseos ou metálicos.

No entanto, a única indicação absoluta de cirurgia na coluna vertebral devido a lesões por PAF é a presença de fístula liquórica ou a presença de progressão documentada do déficit neurológico associada com compressão de elementos neurais.

Última modificação porMarcio R4
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